quarta-feira, 29 de outubro de 2008

3.7 Bebel Gilberto - Samba de benção


Sábado Parte XXI
(O Assobio)

X: Podemos consertar isso?
Y: Isso o que?
X: Sua falta de perspectiva...
Y: Eu não sei, hoje eu fui ao supermercado...
X: No sábado, pra que?
Y: A noite tenho uma festa, uma grande festa, precisava ir ao mercado antes de tudo
X: E o que isso tem a ver?
Y: Eu vi um homem assobiando uma canção enquanto empacotava frangos congelados, não podia ser felicidade, ele provavelmente não estava satisfeito com o trabalho dele, mas ele assobiava, uma simplicidade... com uma alegria de se invejar
X: Você quer ser o homem que assobia empacotando frangos?
Y: Eu quero ser alegre, só isso, eu mereço sabe?
X: Nessa vida melhor ser alegre do que triste, ja tem um plano pra isso?
Y: Não, decidi parar de planejar, hoje eu acordei, enfiei-me nos meus tênis e sai pra passear...
X: Você odeia caminhar de manhã
Y: Odiava... Mas hoje me trouxe alegria, escutei sambas, acredita?
X: Acredito, em todo samba existe um teco de tristeza...
Y: E um bocado de esperança, eu assobiaria sambas, vou assobiar quando estiver feliz
X: Então acordar cedo, caminhar, dar bom dia ao porteiro e ir ao mercado te trouxeram alegria?
Y: Fácil assim, a bossa nova sugando minhas tristezas, o homem do assobio me mostrando felicidade.
X: Você correu contra o vento, seus cabelos espetados, o suor que pingava do seu rosto... Você passou horas olhando frutas, mas o que te chamou mesmo a atenção foi a bancada de sorvetes....
Y: Eu pensei naquela nova garota, te contei sobre ela... da primeira vez que saímos falamos de cheesecakes, ela disse que não conhecia quase ninguém que gostava da sobremesa, eu disse que adorava, que o melhor sorvete do mundo era feito disso, quis dizer que além do cheesecake gostava também dela...
X: Mas ao invés disso disse só que numa próxima oportunidade compraria o sorvete pra dividir com ela?
Y: Exato, é quase um "eu gosto de você", não é?
X: Claro que não, devia ter dito, agora fica aí parada na frente dos freezers de mercado pensando se compra ou não o tal do sorvete.
Y: Não comprei, não sei se vou voltar a ve-la
X: Ela não vai na grande festa?
Y: Não sei, não convido porque tenho medo de tomar um grande bolo.
X: Comprou o sorvete?
Y: Não, se eu comprasse derreteriam até o horário da festa, fora que ela não se lembra do cheesecake, nem lembra que eu existo na verdade. Você sabe, vivo criando relacionamentos na minha cabeça
X: Verdade, mas talvez ela se lembre, como você vai saber se não tentar?
Y: Eu tenho medo, acho melhor ficar na dúvida, além do que ela sabe, não tem como não saber, quando ela aparece em algum lugar onde eu estou, eu assobio, pessoas tristes não assobiam....
X: A não ser quando estão na presença daquelas que a fazem assobiar.
Y: Eu fico vermelha, minhas mãos tremem, eu perco até as chaves de casa. Ja perdi umas duas enquanto estava distraida assobiando sambas alegres pela presença dela, como se eles também comemorassem por ela estar no mesmo lugar que eu.
X: A sua alegria agora está no samba, no cheesecake, nos assobios...
Y: Não apostaria minhas fichas nisso... Ela é o impossível, mesmo que esteja na festa, mesmo que eu assobie pra ela, mesmo que saiba o quanto eu queria dividir um sorvete com ela, ainda sim vai ser sempre inatingível

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